Você percebe que tem algo de errado com você, com sua felicidade, tristeza e mesmo na capacidade de gostar de coisas que já gostou. Percebe que a energia já não é a mesma, que é tudo difícil de fazer, que nem a comida tem mais gosto. Perde o desejo, até mesmo de tomar banho ou trabalhar. Passa um dia todo na cama e acha ótimo.
Tem algo de errado aí.
Procure um médico, pode ser um psiquiatra ou um médico clínico que identifique que você sofre de depressão. Vai fazer alguns exames, provavelmente, vai garantir que não é falta de vitaminas ou hormônios, e ter o diagnóstico será um diferencial. A partir daí, você conseguirá pensar em outras causas para seu sofrimento. Muito provável que não seja identificado nada de anormal com você.
Ele deverá indicar então psicoterapia, essa é a primeira linha de tratamento. Após o período de 3 a 6 meses, você faz psicoterapia, conecta-se com o terapeuta, mas ainda falta. Observa a melhora de algumas coisas no dia a dia, mas ainda sente um vazio e ainda não consegue ver cor no mundo. Se afasta de amigos e de coisas que gosta de fazer. Então, é recomendado a você uma medicação para tratar essa doença.
Você deverá começar com alguma medicação que aumenta a quantidade de serotonina, um neurotransmissor do cérebro.
Pode ser escitalopram, sertralina ou venlafaxina. Tanto faz qual comece.
A recomendação do médico é o uso dessa medicação que aumenta a serotonina no cérebro, apesar de não haver nenhuma pesquisa que mostre que falte serotonina no cérebro de quem tem depressão. Muito menos pesquisa que mostre que subir esse neurotransmissor tenha alguma relação com a resposta antidepressiva. Mas é o recomendado pelos guias terapêuticos mais importantes. Após o uso regular, enfrenta alguns efeitos colaterais, visitas ao médico, sobe a dosagem e não tem melhora do quadro ainda. Falta energia, e talvez agora até pense que não vale mais a pena viver.
O médico troca a medicação por outra classe que atua no mesmo sistema de serotonina, talvez uma que atue também em noradrenalina ou dopamina, outros neurotransmissores que, de novo, não tem nenhuma evidência científica que esteja relacionada com depressão. Mas é a recomendação atual. Pode ser que ele também adicione uma medicação mais específica para dopamina, os chamados antipsicóticos. Medicações que reduzem a quantidade de dopamina no cérebro. Novos efeitos colaterais, talvez mais graves porque adicionou duas medicações.
Talvez, alguma melhora e a certeza de que já se passaram um ano de tratamento, provavelmente, 12 visitas ou mais ao médico, mas a qualidade de vida continua a mesma…talvez até pior.
Começam as dúvidas, será que vou melhorar? Será que tem outra coisa para fazer? Será que é melhor acabar com minha vida do que sofrer desse jeito? Será que alguém ainda sente minha falta? Tantas perguntas negativas passam pela sua cabeça e você descarrega todas elas no seu médico.
E ele deve responder de acordo com as melhores evidências científicas, guias terapêuticos e probabilidades de resposta.
Nesse momento você tem outra doença, não é mais depressão, e sim, depressão resistente ao tratamento. Para essa classificação são necessários dois tratamentos, não mais do que isso. Se tentou duas medicações sem resposta completa do quadro, é Depressão Resistente.
E agora? Qual o caminho a tomar? O bom médico vai te apresentar algumas opções, provavelmente três delas.
O médico mediano vai trocar para um terceiro, quarto, quinto medicamento oral. E não vai te oferecer estratégias de terceira linha de tratamento. O médico atualizado e que se preocupa com sua recuperação vai te oferecer uma das três alternativas abaixo, discutir com você as probabilidades de sucesso com elas, efeitos colaterais e possa chegar à conclusão de que nesse momento, seja melhor mesmo tentar mais uma medicação, mas sabendo que a probabilidade de sucesso é em torno de 10%, quer dizer, que 1 a cada 10 pessoas irão melhorar com mais uma troca de remédios.
Entre as opções mais eficazes e recomendadas pelos guias terapêuticos para tratar a depressão resistente são: Eletroconvulsoterapia, o eletrochoque ou ECT, Estimulação magnética transcraniana de repetição(rTMS) e a infusão endovenosa de cetamina.
Mas como você vai decidir o que deve fazer, qual tratamento seguir? Confiar só na palavra do médico que te assiste ou se instrumentalizar com informação para decidir? Certeza que a segunda opção. Sobre sua saúde, você sabe mais.
Vou te ajudar a decidir.
Quando vemos essas três opções, não entenda que elas estão em uma escada, que uma é primeiro e depois outra, entenda elas como cartas na mesa.
Posso escolher entre todas quando eu souber os efeitos colaterais e os efeitos benéficos que podem me causar, além do seu custo financeiro e social (será que terei que parar de trabalhar para alguma delas?)
Como são feitas?
A rTMS é um equipamento que gera uma corrente magnética potente o suficiente para alterar a função cerebral. É uma bobina encostada geralmente na parte da frente da cabeça, posicionada e começam os disparos de corrente magnética. É indolor e não requer anestesia. É feito aproximadamente 30 vezes antes de ter alguma resposta terapêutica. Podem ser feitos por trinta dias seguidos, outros lugares preferem fazer 5 vezes por dia por 6 dias seguidos.
Não deve ser feita em depressão da pessoa com Transtorno Afetivo Bipolar.
Os efeitos colaterais mais comuns são leves e passageiros como tontura, e aquecimento da pele no lugar que recebeu a terapêutica.
A ECT é a mais antiga das técnicas descritas aqui.
Nela, uma corrente elétrica é aplicada pela cabeça, geralmente na parte da frente com a intenção de causar convulsão no paciente. Essa convulsão é do tipo tônico-clônica generalizada. Quer dizer que vai haver contração muscular involuntária, vai haver perda de consciência.
Para esse procedimento ser tolerado é obrigatório o uso de anestesia geral. Normalmente, são indicadas de 10 a 12 sessões, realizadas de 2 a 3 vezes por semana.
Os efeitos colaterais mais comuns são perda de memória transitória, deve retornar em seis meses. Em alguns casos, pode haver casos de perda de memória permanente, piora da cognição, atenção, capacidade de cálculos e nomeação, além de perda de memória autobiográfica (aquela que é relativa a coisas da sua própria vida, como uma viagem, datas importantes e pessoas do passado).
Outros efeitos colaterais são próprios da convulsão causada pela corrente elétrica como fratura de ossos ou lesão de articulações, apesar de esses serem mais raros porque a anestesia te protege, ainda assim podem ocorrer. Pode ser usada em depressão maior ou depressão bipolar, além de outras doenças.
A infusão endovenosa de cetamina é outra medicação que pode ser indicada e a mais nova das técnicas. É a administração pela veia do anestésico cetamina. Essa medicação já existe desde 1970, mas os estudos dela como antidepressivos vieram somente em 2000.
A aplicação da medicação é feita por anestesiologista, por ser um anestésico, dentro do hospital e é recomendado que você faça entre 3 a 6 sessões, duas ou três vezes por semana.
Os efeitos colaterais são próprios do ato anestésico e duram somente o tempo da aplicação. A medicação causa uma sedação leve ou moderada, e os efeitos colaterais são relativos a essa sedação e ao uso do anestésico e limitado ao tempo de influência da medicação.
Efeitos transitórios mais comuns são: sedação, alteração da percepção do ambiente que chamamos de dissociação, algo como um sonho acordado e consciente, náuseas e tontura.
Esses efeitos duram o tempo da aplicação e somem entre 15 a 20 minutos após terminada a infusão.
Não há efeitos colaterais a longo prazo, com o uso repetido da medicação. Pode ser usada em depressão maior ou em depressão bipolar, além de outras doenças. Agora que conhecemos as técnicas, seus principais efeitos colaterais, vamos comparar a eficácia entre elas em avaliações de mundo real. Isso quer dizer que vamos usar dados fornecidos pelo uso real de cada técnica, não a pesquisa de “laboratório” e sim, de vida real, para podermos ter ideia do que esperar. Temos dois parâmetros para avaliar, o número de pessoas que respondem à terapia e o tamanho, a força dessa resposta.
Veja, podemos ter uma terapia que só ajuda 1 em 100 pessoas, mas essa pessoa tem uma resposta super boa, ou podemos ter outra terapia que ajuda 70 em 100 pessoas, mas todas melhoram somente um pouco.
Então, são dois parâmetros a avaliar. Na rTMS, qual a chance de sucesso?
No estudo que referencio no final desse artigo, foram coletados dados de 435 pessoas, no final do tratamento 31% das pessoas melhoraram, mais da metade dos sintomas e 22% das pessoas melhoraram por completo a depressão. A força do efeito é dada por um número que quanto mais perto do zero, menos eficaz e quanto mais distante do zero, mais eficaz. Nesse caso, a força de eficácia foi de 0,79, mostrando grande eficácia.
Guarde esses números que vamos comparar com outras terapêuticas.
Para a ECT, o estudo naturalístico mostrou que de todos os pacientes que completaram até 10 sessões ou menos, 13% foram beneficiados com redução completa dos sintomas depressivos.
O estudo não mostra quantas pessoas se beneficiaram por redução da gravidade, mas ainda tem sintomas, bem como não descreve a força da terapia, apenas coloca que em uma escala de 0 – 27 onde maior numeração significa maior gravidade dos sintomas, a média do grupo no início foi de 17 pontos e após 10 sessões a média foi de 11 pontos. Podemos entender que foi de depressão grave para moderada.
A cognição, memória, atenção e outras funções cognitivas foram prejudicadas pela técnica, mas não descrevem o acompanhamento desses pacientes. Quando avaliamos resultados de mundo real da infusão endovenosa de cetamina temos dados coletados em 178 clínicas e um total de 537 pacientes incluídos na análise.
Deste grupo, 53% obtiveram resposta de ao menos 50% dos sintomas depressivos no final da fase inicial de infusões que foi entre 4 a 8 sessões. 29% dos pacientes obtiveram resolução completa dos sintomas depressivos. E a força da eficácia foi de 1,5, o que mostra uma grande eficácia nos pacientes que responderam ao tratamento. Esse trabalho citado aqui ainda compartilha informações sobre pensamentos de autoextermínio e mostra que 73% dos pacientes tratados não tinham mais pensamentos de terminar com a própria vida ao fim da primeira fase de tratamento. Ainda mostram a sobrevivência do efeito, após 8 semanas, sem novos tratamentos, 60% dos pacientes ainda estavam sem sintomas.
Ainda temos um texto que comparou as duas terapias mais comumente prescritas, infusão endovenosa de cetamina e ECT, com o objetivo de comparar as respostas terapêuticas às técnicas. No grupo de pacientes que receberam cetamina endovenosa, 55% deles tiveram resposta terapêutica, e no grupo que recebeu ECT, 41% obtiveram resultado positivo do tratamento.
No grupo ECT, os pacientes tiveram dificuldades com a memória por três semanas, em média, após o tratamento.
E agora, podemos ter uma decisão mais bem informada sobre o tratamento que devemos escolher quando duas medicações não foram eficazes.
A pergunta que você se faz agora é: e se eu falhar em, por exemplo, rTMS, ou ECT, adianta tentar cetamina ainda?
Não é uma escada de mais eficaz para menos eficaz, são cartas na mesa. Não temos avaliação de qual a chance de resposta após um ou outro dos tratamentos relatados aqui.
Essa decisão será tomada caso a caso, conhecendo os efeitos benéficos e adversos, mas saiba que estamos no limite do conhecimento científico. A próxima etapa na produção dos trabalhos seria formular melhor os caminhos, os algoritmos, entre os tratamentos de terceira linha que foram descritos aqui.
Referências:
Bouaziz, Noomane et al. “Real world transcranial magnetic stimulation for major
depression: A multisite, naturalistic, retrospective study.” Journal of affective disorders vol. 326 (2023): 26-35. doi:10.1016/j.jad.2023.01.070
McInnes, L Alison et al. “A retrospective analysis of ketamine intravenous therapy for
depression in real-world care settings.” Journal of affective disorders vol. 301 (2022):
486-495. doi:10.1016/j.jad.2021.12.097
Anand, Amit et al. “Ketamine versus ECT for Nonpsychotic Treatment-Resistant Major Depression.” The New England journal of medicine vol. 388,25 (2023): 2315-2325. doi:10.1056/NEJMoa2302399
Luccarelli, James et al. “Real-world evidence of age-independent electroconvulsive therapy efficacy: A retrospective cohort study.” Acta psychiatrica Scandinavica vol. 145,1 (2022): 100-108. doi:10.1111/acps.13378