Ao longo da vida, o uso de medicamentos torna-se uma realidade para muitos, seja para condições agudas ou para o manejo de doenças crônicas. No campo da saúde mental, essa necessidade é particularmente prevalente, com tratamentos de longo prazo frequentemente prescritos para condições como depressão, ansiedade e transtorno bipolar. Surge então, a questão: e se, em determinado momento, a necessidade dessas medicações diminuísse? Este é o tema que abordaremos hoje: a desprescrição.
O que é desprescrição?
A desprescrição, também conhecida fora do meio médico como ‘desmame’, refere-se ao procedimento de redução gradual ou interrupção da administração de um medicamento, considerado clinicamente desnecessário ou potencialmente prejudicial ao paciente. Tal decisão exige uma avaliação médica criteriosa, englobando o estado de saúde do paciente, a resposta terapêutica observada e a consideração de alternativas de tratamento, sendo sempre tomada em conjunto com o profissional de saúde responsável.
Por que considerar a desprescrição em saúde mental?
No contexto da saúde mental, a desprescrição deve ser cuidadosamente avaliada por diversas razões, visando sempre o bem-estar do paciente:
Melhora significativa dos sintomas
Quando um paciente apresenta uma melhora notável e persistente dos seus sintomas psiquiátricos, o médico pode considerar a redução gradual da dose ou, a suspensão da medicação.
Efeitos colaterais intoleráveis
Medicamentos psicotrópicos, como os antidepressivos, podem desencadear efeitos colaterais que afetam consideravelmente a qualidade de vida. A desprescrição surge como uma alternativa para minimizar ou eliminar esses efeitos indesejados.
Polifarmácia
O uso de múltiplos medicamentos simultaneamente (polifarmácia) aumenta o risco de interações medicamentosas e de efeitos colaterais adversos. A desprescrição pode ajudar a simplificar o regime de tratamento e reduzir esses riscos.
Novas abordagens terapêuticas
O surgimento de novas opções de tratamento pode levar à reconsideração do uso de medicações pré-existentes.
Cetamina e a possibilidade de desprescrição
No panorama inovador das terapias para saúde mental, a cetamina se destaca, especialmente no tratamento da depressão resistente. Diferentemente dos antidepressivos tradicionais, que atuam primariamente no sistema das monoaminas (serotonina, noradrenalina e dopamina), a cetamina age no sistema glutamatérgico, bloqueando o receptor NMDA e elevando a disponibilidade de glutamato. Esse mecanismo de ação singular pode resultar em uma rápida atenuação dos sintomas depressivos, frequentemente em questão de horas ou dias, contrastando com as semanas ou meses típicas dos antidepressivos convencionais.
Essa eficácia acelerada da cetamina em casos de depressão refratária a outros tratamentos pode, em determinadas situações, abrir caminho para a consideração da desprescrição de antidepressivos orais. Conforme mencionado em um dos artigos de referência, o CANMAT (Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments) já indica a cetamina como uma opção de segunda linha para a depressão resistente. Durante o tratamento com cetamina, é comum que os pacientes experimentem uma melhora substancial dos sintomas, o que pode viabilizar a redução gradual ou suspensão da medicação antidepressiva, sempre sob rigorosa supervisão médica.
Um estudo de evidências do mundo real, conduzido no Centro de Cetamina pelo Dr. Tiago Gil e pela Dra. Tatiana Bonetti, evidenciou a eficácia da cetamina intravenosa na redução dos sintomas da depressão maior em pacientes com transtorno bipolar. Essa melhora consistente pode, teoricamente, levar à avaliação da necessidade contínua de outras medicações.
A importância da supervisão médica
É extremamente importante lembrar que a decisão de reduzir ou interromper qualquer medicação psiquiátrica, incluindo antidepressivos é sua, mas nunca deve ser feito por conta própria. A desprescrição é um processo delicado que exige acompanhamento médico rigoroso. O médico irá avaliar o momento certo, a velocidade da redução da dose e monitorar de perto qualquer sinal de recorrência dos sintomas ou síndrome de abstinência.
O Centro de Cetamina e a abordagem individualizada
No Centro de Cetamina, o tratamento com infusão endovenosa de cetamina é conduzido sob a supervisão do Dr. Tiago Gil. Cada paciente inicia sua jornada com uma consulta inicial, onde suas queixas e histórico médico são cuidadosamente avaliados, permitindo a criação de um plano de tratamento personalizado. Caso a cetamina demonstre eficácia na melhora dos sintomas depressivos, a possibilidade de revisão da medicação pré existente, incluindo a potencial desprescrição, é discutida em colaboração com o médico responsável pelo acompanhamento contínuo do paciente.
A desprescrição representa um objetivo significativo para muitos pacientes em tratamento de saúde mental, almejando a redução da carga medicamentosa e a conquista de uma melhor qualidade de vida. A cetamina, com seu mecanismo de ação inovador e notável rapidez de efeito, apresenta-se como uma alternativa promissora que pode, em certos casos, facilitar esse processo. No entanto, é imprescindível enfatizar que a desprescrição deve ser sempre uma decisão médica compartilhada, embasada em uma avaliação minuciosa e um acompanhamento contínuo, visando garantir a segurança e o bem-estar do paciente.
Para saber mais sobre o assunto, assista os vídeos no nosso canal do YouTube e siga nossas redes sociais.
Referências:
Lam RW, Kennedy SH, Adams C, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) 2023 Update on Clinical Guidelines for Management of Major Depressive Disorder in Adults: Réseau canadien pour les traitements de l’humeur et de l’anxiété (CANMAT) 2023 : Mise à jour des lignes directrices cliniques pour la prise en charge du trouble dépressif majeur chez les adultes. The Canadian Journal of Psychiatry. 2024;0(0). doi:10.1177/07067437241245384
Gil, Tiago, & Bonetti, T. C. S. (2024). Efficacy of intravenous esketamine in reducing suicidal ideation and major depressive symptoms: A real-world evidence study. Journal of Affective Disorders Reports, 17, 100809. https://doi.org/10.1016/j.jadr.2024.100809